Burnout: reconhecendo os sinais e prevenindo danos

Burnout é um distúrbio emocional que ganhou destaque nos últimos anos devido ao seu impacto significativo na saúde mental e no bem-estar das pessoas. Trata-se de uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas, caracterizada por um estresse prolongado, relacionado ao trabalho (vale destacar que esse é um critério diferencial) e que culmina em um estado de exaustão emocional, física e mental. A tradução do termo, cunhado pelo psicólogo Herbert Freudenberger em 1974, quer dizer, “queimado por completo”. Essa expressão nos confere mais clareza acerca do conceito e da compreensão de como se sente uma pessoa que vivencia esse quadro. Em 2022, houve o reconhecimento deste transtorno pela OMS como uma doença ocupacional. Esse é um marco muito relevante na história da saúde mental, pois traz à tona a importante temática de que o trabalho pode ser agente de sofrimento e adoecimento mental e, portanto, as empresas precisam se preocupar e se envolver com o bem estar dos colaboradores, o que, por conseguinte, acaba por trazer um impacto positivo não apenas na esfera laboral, mas também para a sociedade como um todo.
ESTATÍSTICAS ALARMANTES
Um estudo realizado pela Gallup em 2020 com mais de 7.500 trabalhadores em tempo integral nos Estados Unidos descobriu que 76% dos participantes informaram ter experimentado algum grau de Burnout, em algum momento de suas carreiras. Além disso, 28% dos entrevistados sentiram-se, com frequência ou sempre, esgotados emocionalmente no trabalho.
Outras pesquisas também têm destacado a prevalência do burnout em diferentes áreas profissionais. Por exemplo, um estudo publicado no Journal of Occupational Health em 2018 analisou 1.386 trabalhadores de saúde na Austrália e constatou que 50,1% deles apresentavam sinais de burnout. Entre os médicos, a taxa foi ainda mais alta, com 60,5% sofrendo de burnout.
Segmentando algumas profissões, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde frequentemente apresentam altas taxas de burnout devido ao estresse excessivo, horas de trabalho longas, demandas emocionais intensas e pressão do sistema de saúde. No entanto, o burnout não se limita apenas a essas profissões. Estudos têm mostrado que profissionais de diversas áreas como educação, assistência social, serviços financeiros, tecnologia da informação, entre outros, enfrentam também altos níveis desta síndrome.
A pandemia de COVID-19 trouxe ainda mais desafios para a saúde mental e aumentou os níveis de estresse e burnout em várias profissões. Profissionais da saúde, equipes de resposta a emergências, profissionais de educação, trabalhadores de serviços essenciais e muitos outros foram impactados de forma significativa. O aumento das demandas, a sobrecarga de trabalho, a pressão emocional e as preocupações com a saúde contribuíram para o agravamento do burnout nesses contextos.
Consideramos a importância e necessidade de realizar sempre novos estudos e análises acerca da ocorrência e prevalência do burnout, levando em conta diferentes variáveis como contextos culturais, ambientais e outros recortes. Afinal, estamos nos referindo a um problema complexo e multifatorial, resultante de uma combinação de fatores individuais, organizacionais e sociais.
Mas, é indubitável que esses dados estatísticos destacam a gravidade do problema do burnout e sua crescente ocorrência na sociedade atual. E isso conclama a necessidade de que sejam implementadas medidas de prevenção e apoio adequados aos profissionais, bem como políticas organizacionais que promovam um ambiente de trabalho saudável, equilibrado e que valorize a saúde mental dos funcionários.
RECONHECENDO OS SINAIS DE ALERTA
É importante que as pessoas entendam que o Burnout não é simplesmente uma consequência inevitável do trabalho árduo, mas sim um sinal de desequilíbrio e sobrecarga. Reconhecer os sinais precoces do Burnout e buscar ajuda adequada são passos fundamentais para evitar danos mais graves à saúde como um todo (física e mental).
Primeiro devemos destacar a questão de que, como de algum modo, todos nós vivenciamos rotinas estressantes, há um enorme perigo em não conseguir reconhecer quando o desgaste adentra um limiar patológico e assim, os cuidados que deveriam ser precoces e preventivos, muitas vezes chegam quando a patologia já está instalada. Embora os sinais possam variar de uma pessoa para outra, um indicativo muito característico, e que pode se assemelhar à sintomatologia de um quadro depressivo, é o fato da pessoa ter uma percepção de desprazer e desinteresse pelo que outrora a envolvia com maior satisfação. Acordar já com a sensação de cansaço; alterações no sono e apetite; sentimentos de culpa ou inutilidade; ansiedade em fazer aquilo que sabe que precisa ser feito, mas se sente incapaz (física e/ou mentalmente) para realizar; procrastinação; agitação ou retardo psicomotor, seguido de dificuldade de concentração, são fatores que devem ser observados com cuidado, pois podem indicar que a pessoa precisa de mais atenção à sua saúde e aos fatores ambientais que podem estar desencadeando essas respostas.
É importante frisar os efeitos de ordem emocional, pois uma das principais características do Burnout é justamente a exaustão nessa esfera. É muito comum que a pessoa com Síndrome de Burnout se perceba emocionalmente esgotada e incapaz de lidar com as demandas e responsabilidades do trabalho. Isso pode levar à diminuição da empatia e do envolvimento com os outros, afetando a representação das relações interpessoais e também a qualidade de execução de suas tarefas laborais. Enfim, a exaustão emocional pode resultar em sentimentos de despersonalização, onde uma pessoa desenvolve distanciamento e apatia em relação ao trabalho e às pessoas ao seu redor.
Outro componente central dessa síndrome é a diminuição da realização profissional. A pessoa pode sentir que seu trabalho não possui significado ou propósito, levando ao declínio de motivação e satisfação. A falta de reconhecimento e recompensa satisfatória também pode contribuir para esse sentimento de desvalorização, retroalimentando o problema e agravando ainda mais o quadro.
Considerando a complexidade e o impacto devastador que estado alterado da autoimagem pessoal no ambiente de trabalho acarreta na vida do indivíduo, não é difícil que, em pouco tempo, outras áreas também sejam afetadas, trazendo prejuízos no convívio familiar, social e demais contextos de vida. É como se a pessoa não se reconhecesse mais e para agravar, na grande maioria das vezes, nutre a crença de que não será capaz de se refazer após essa experiência.
Por fim, vale destacar que o Burnout não se limita apenas a problemas relacionados ao trabalho formal. Pode ocorrer em diferentes áreas da vida em que a sobrecarga e desgaste intenso persista por um longo período de tempo ou com intensidades que ultrapassem os limites de adaptação desse indivíduo. Como exemplos possíveis, pode-se listar: cuidar de um familiar doente, realizar atividades intencionalmente intensas ou estar envolvida em múltiplas responsabilidades. Portanto, é fundamental que a prevenção e o tratamento do Burnout sejam pensados de forma abrangente, considerando todos os aspectos da vida de uma pessoa.
QUANDO OS PROBLEMAS VÃO ALÉM DOS SINTOMAS APARENTES
Qualquer situação de estresse, demanda um esforço de adaptação e desgaste. No caso do Burnout, estamos falando de um estresse crônico e intenso, relacionando a uma dinâmica disfuncional do trabalho (formal ou informal, como já foi dito anteriormente). Então, quer haja uma prevalência de adaptação reativa mental ou física, o sofrimento está endereçado ao mesmo sujeito, causando-lhe déficit na qualidade de vida. É preciso, portanto, reiterar a compreensão de que o Burnout não prejudica apenas os aspectos emocionais e mentais da saúde de quem passa por essa síndrome. Além de aumentar a probabilidade de comorbidades como ansiedade, depressão e até mesmo ideação suicida (em casos mais graves), essa doença ocupacional pode provocar graves consequências de ordem físicas, como por exemplo: distúrbios do sono, problemas cardíacos, enfraquecimento do sistema imunológico, distúrbios gastrointestinais e aumento do risco de desenvolver doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Com toda essa desordem que pode provocar, os malefícios da síndrome ultrapassam o âmbito pessoal. Suas consequências têm influência negativa também para as organizações e a sociedade como um todo. Pessoas que sofrem com esse quadro são mais propensas a cometer erros na execução de suas atividades, apresentar baixa produtividade, faltar ao trabalho e ter conflitos com colegas de equipe. Isso resulta em perdas financeiras para as empresas, aumento da rotatividade de funcionários e um ambiente de trabalho desfavorável. Assim, entendendo as consequências de forma mais ampla e sistêmica, vemos que o Burnout também pode ter um impacto prejudicial na economia, devido aos altos custos associados à reabilitação de problemas de saúde e à perda de produtividade.
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
A prevenção e o tratamento da síndrome envolvem uma abordagem multifacetada. É essencial que as pessoas aprendam a reconhecer os sinais precoces desse disturbio e ajam para gerenciar o estresse e cuidar de sua saúde mental.
Partindo então do pilar de intervenção preventiva, algumas medidas e hábitos podem blindar a ocorrência de danos maiores. Isso pode incluir a prática de técnicas de autocuidado, como exercícios físicos regulares, alimentação saudável, sono adequado, tempo de lazer, busca de apoio social e terapia. Mas, é de suma importância e prudência destacar que os cuidados não podem ser apenas no âmbito individual. Precisamos reiterar que o Burnout está ligado à uma disfuncionalidade da relação com e/ou no trabalho. Assim, o cuidado individual pode aumentar a imunidade emocional para que a pessoa lide melhor com as adversidades. Entretanto, concomitantemente a isso, as organizações desempenham um papel fundamental e quiçá, majoritário, na prevenção do Burnout. A adoção de políticas que promovam saúde mental, cultura que priorize o equilíbrio saudável entre vida pessoal e profissional, que proporcione um ambiente de trabalho positivo e disponha de suporte emocional aos funcionários, compõem exemplos de um conjunto de ações que demonstram o comprometimento com a prevenção dessa doença ocupacional.
Abordando agora um pilar remediador, ou seja, para quem já se encontra num quadro de Burnout, o primeiro passo é se certificar desse diagnóstico, com psiquiatra ou psicólogo. As intervenções e cuidados para a reabilitação da saúde são muito particulares e demandam um olhar sistêmico, com apoio multiprofissional. Vale ainda desmistificar um erro comum que é achar que a pessoa com Burnout está simplesmente muito cansada e que precisa apenas de férias. Uma vez que a síndrome se instala, a complexidade da abordagem intensifica e ao retornar à rotina laboral, os sintomas se mostram reincidentes. Em muitos casos, pessoas que passaram por Burnout relatam a necessidade de se reinventar, passando até por uma migração de carreira. Ou seja, os danos são extremamente maléficos e significativos, o que reforça a importância de pensar de forma massiva e prioritária, em intervenções preventivas ao invés de remediar o que o Burnout pode devastar.
Por fim, é relevante conscientizar que o Burnout não é sinônimo de fraqueza ou incompetência. Pelo contrário, é um sinal de que as condições de trabalho e ambiente em que uma pessoa está inserida estão disfuncionais em níveis superiores ao que comumente é possível suportar ou adaptar. E mesmo que seja uma árdua caminhada, com o diagnóstico correto, adesão às intervenções e reorganização da interação meio-indivíduo é possível sobreviver ao Burnout. Porém, não precisamos esperar o caos se alastrar e tantos danos acometer as pessoas para tomar atitudes, por isso, é fundamental que as organizações reconheçam a importância de promover um ambiente de trabalho saudável, que valorize e respeite os limites entre demandas de trabalho e vida pessoal e que priorize a segurança psicológica na rotina diária de convivência profissional, se preocupando genuinamente com o bem estar de quem realmente é responsável pelo êxito dos negócios: as pessoas.
Simone Rezende Barbosa Pereira
Psicóloga – CRP 18 03334