Saúde mental do trabalhador: responsabilidade do indivíduo ou da empresa?

A saúde mental pode ser definida como um estado de bem-estar no qual o indivíduo consegue lidar com os desafios do dia a dia, trabalhar de forma produtiva e contribuir para sua comunidade (OMS, 2022). Trazendo essa conceituação para o contexto corporativo, a saúde mental pode ser compreendida com um fator diretamente ligado à produtividade e ao desempenho profissional. Não obstante, quando nos sentimos sobrecarregados, lidando com demandas de alto estresse ou vivenciando outras situações que impactam nesse bem estar, aumentamos a margem de erros, riscos de acidente, queda motivacional, menor capacidade criativa, dentre outros desdobramentos que prejudicam o potencial produtivo.
Dependendo da complexidade do problema e suas consequências na vida do trabalhador, os problemas de ordem mental e emocional podem levar ao afastamento das atividades laborais. Todavia, um ponto que não pode ser ignorado, tampouco normatizado, é a condição de que muitos trabalhadores, mesmo com a saúde mental comprometida, continuam exercendo suas atividades e rotina; o que parece tolerável e normal, não significa que não esteja diminuindo o potencial produtivo. Ou seja, o comprometimento da saúde mental gera percas, riscos e prejuízos, seja de forma direta ou indireta.
Segundo um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com a OMS (2022), transtornos mentais custam à economia global cerca de US$ 1 trilhão por ano em perda de produtividade. No Brasil, uma pesquisa da Isma-BR (International Stress Management Association) indica que 72% dos trabalhadores sofrem de estresse relacionado ao trabalho, sendo que 32% desenvolvem a síndrome de burnout. Além disso, o país ocupa o 3º lugar no ranking mundial de ocorrência de quadros de ansiedade, gerando ao INSS cerca de 200 milhões ao ano por pagamento de benefícios.
Como se não bastasse as altas estatísticas, quando se fala em prognóstico e tratamento, o apontamento da Organização das Nações Unidas (ONU) endossa uma preocupante realidade, já que indica que 85% das pessoas que passam por tais transtornos, não recebem o tratamento adequado (Sebben, 2022).
A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA E A SAÚDE MENTAL
Historicamente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), criada em 1943, focava na segurança física do trabalhador, garantindo direitos como carga horária máxima e proteção contra acidentes. No entanto, com o passar das décadas, a preocupação com a saúde mental cresceu. Em 2022, a Síndrome de Burnout foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como doença ocupacional, levando o Brasil a atualizar normas para fortalecer a proteção psicológica dos trabalhadores e isso, por sua vez, demanda a adaptação de líderes e gestores, que devem garantir uma rotina de trabalho adequada e que respeite determinados limites.
Além disso, é fundamental considerar também as mudanças nas Normas Regulamentadoras (NRs) para compreendermos o atual cenário e as respectivas responsabilidades de empresas e trabalhadores. Essas normas complementam a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo estabelecidas pelo Ministério do Trabalho com o objetivo de garantir condições seguras e saudáveis no ambiente profissional.
Inicialmente, o foco das NRs estava voltado para fatores físicos, químicos e ergonômicos. Com o tempo, entretanto, percebeu-se a necessidade de considerar também os fatores psicossociais, que podem influenciar a segurança no trabalho e a saúde mental dos trabalhadores. No início, esse cuidado era restrito a atividades específicas, como trabalho em altura e em espaços confinados, exigindo que as empresas realizassem avaliações psicossociais conforme a função desempenhada.
Com a alteração da NR1 em 2024, houve um avanço significativo na ampliação do cuidado com os trabalhadores, incorporando uma perspectiva mais abrangente sobre a saúde mental no ambiente laboral. Dados estatísticos reforçam essa necessidade, demonstrando que os aspectos subjetivos do trabalho também impactam diretamente a saúde e a produtividade dos profissionais.
O IMPACTO DO AMBIENTE DE TRABALHO NA SAÚDE MENTAL
Embora a saúde mental seja algo particular a cada indivíduo, o ambiente de trabalho tem um impacto significativo nesse contexto. Um estudo da Deloitte (2022) apontou que empresas que investem em programas de bem-estar e saúde mental têm um retorno financeiro de US$ 4 para cada US$ 1 investido. Ambientes com alta carga de estresse, assédio moral e baixa segurança psicológica podem desencadear transtornos como ansiedade, depressão e Burnout.
Vale apresentar o exemplo de empresas como Google e Microsoft, que adotaram programas de suporte psicológico e flexibilização do trabalho, tendo como resultado a redução de licenças por transtornos mentais e o aumento da satisfação dos funcionários. Todavia, vale ressaltar que empresas de pequeno porte, também podem promover ações condizentes com suas respectivas realidades, uma vez que a necessidade pode variar de uma cultura para outra. O importante é levar em consideração os dados estatísticos e adotar ações que se incorporem à cultura organizacional, promovendo bem estar e saúde mental.
Um outro aspecto a ser abordado dentro dessa temática da influência do ambiente de trabalho na saúde mental das pessoas é que as empresas são, necessariamente, as vilãs. O trabalho pode ser fonte de realização, desenvolvimento, pertencimento social, dentre outros aspectos que se configuram fatores de proteção à saúde mental. Mas, o trabalho na ótica da exploração, como vemos na linha histórica desde os primórdios do período industrial, deixou heranças maléficas que precisam ser ressignificadas. E, as estatísticas que aqui já mencionamos, representam sintomas de uma dinâmica de trabalho que não se sustenta mais e que precisa ser atualizada.
UMA RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA
O debate sobre a saúde mental no trabalho não deve ser um embate entre indivíduo e empresa, mas sim uma construção coletiva. Empresas que investem em programas de bem-estar, segurança psicológica e políticas de trabalho saudáveis ganham em produtividade, retenção de talentos e reputação corporativa. Da mesma forma, o trabalhador também tem o papel de buscar equilíbrio e desenvolver estratégias para manter sua saúde mental. Quando ambos os lados compreendem essa corresponsabilidade, o resultado é um ambiente mais saudável, produtivo e sustentável para todos.
As atualizações da NR1 não vieram para prejudicar ou para só para imputar mais uma responsabilidade aos empresários. É inegável que haverá a necessidade de investimento. Mas, além de haver estudos que indicam um ROI positivo em relação a programas contínuos de bem estar e saúde do clima organizacional, essas ações tendem a promover uma psicoeducação, onde as pessoas passam a estar mais atentas, interessadas e informadas sobre como cuidar de si mesmas, reconhecer seus limites, pedir ajuda (e ter acesso a ela). Isso gera um impacto benéfico com proporções amplas na sociedade e pode contribuir para destituir o Brasil do ranking de um dos países mais ansiosos e estressados no mundo, título esse, nada virtuoso.
Simone Rezende
Psicóloga – CRP 18 03334
Consultora em RH com foco em Saúde Mental
Mentora de Líderes