Um Olhar Chocante sobre a Saúde Mental dos Trabalhadores

A SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR EM NÚMEROS

A saúde mental é um tema cada vez mais presente nas pautas de qualidade de vida e bem estar, mas a visibilidade dessas discussões toma maior impulso a partir da pandemia do Covid 19, que parece ter dado maior notoriedade à necessidade de atenção e cuidados na esfera psíquica. Nesse período, os fatores sociais, como necessidade de isolamento, por exemplo, medo de contágio, incertezas sobre diagnósticos ou tratamentos, incapacidade das instituições de saúde em atender volumes tão grandes de pacientes, além do alto índice de mortalidade notificado nesse período, trazem à superfície a fragilidade humana, a qual, muitas vezes, é camuflada em outros contextos, ditos “estáveis ou normais”.

Quase que como uma pandemia paralela à Covid, passamos a ver com maior frequência, pessoas relatando sintomas de ansiedade e depressão, reforçando o que a OMS já predizia desde meados de 2018, apontado que em 2020, a depressão seria um dos fatores de maior incidência de incapacidade para o trabalho. Não obstante, a indústria farmacêutica registra nesse período, um crescimento de quase 14% de consumo de antidepressivos e estabilizadores de humor, representando uma venda de 7,8 milhões de caixas desses medicamentos de 2019 para 2020, segundo um levantamento encomendado pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF – IQVIA, 2020).

Outras pesquisas e levantamentos, seguem corroborando que a saúde mental não pode ser negligenciada e colocada em modo “stand bye” na rotina das pessoas, como muitos acabam fazendo, levando suas tarefas e dia a dia com esse peso e pior, revestidos de um grande tabu em falar sobre o tema, já que culturalmente, esse assunto remetia à fraqueza, incapacidade e até, ausência de fé ou desvios morais. Veja o que diz o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), por meio da Pesquisa Nacional de Saúde e Ministério da Saúde: em 2019, 10,2% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a Depressão, representando em números reais, uma estimativa de 12,8 milhões de pessoas.

Outro dado alarmante é que o Brasil é o país com maior taxa de transtorno de ansiedade e o quinto em ocorrência de casos de depressão, dentro do ranking mundial (dados da OMS – Organização Mundial de Saúde).

Esses dados sinalizam o sofrimento psíquico presente e clinicamente significativo para a população, a ponto de impelirem as pessoas a buscarem alívio para essa desordem emocional em que se encontram. A grande pergunta (e reflexão) é: como isso impacta no contexto do trabalho e economia?

 

ENTENDA COMO ATÉ OS TRANSTORNOS MAIS LEVES AFETAM A CAPACIDADE PRODUTIVA E QUANTO ISSO CUSTA PARA UMA EMPRESA

Em primeiro lugar é importante falar o básico e desmistificar preconceitos antigos: saúde mental não é sinônimo de loucura; transtornos e dores emocionais não é falta de Deus; Depressão não é preguiça; Ansiedade não é forma de chamar atenção. E vamos mais além: existem graus de intensidade, gravidade e prejuízo funcional dentro de cada transtorno psicológico. Assim, uma pessoa pode estar passando por um quadro de depressão, por exemplo, e ainda assim, você conseguir vê-la sorrindo ou mesmo perceber que ela mantém a presença diária no trabalho. Em quadros mais graves, a sintomatologia e os comportamentos são bem notórios, mas isso não exclui a possibilidade de que seu colaborador ou colega de trabalho, não esteja lutando diariamente com conflitos psíquicos, exigindo dessa pessoa uma força intensa para manter a funcionalidade de sua rotina e obrigações. Situações como essa, podem levar ao retardo ou negligência do tratamento e agravar o caso.

Tendo como base os altos índices de ansiedade e depressão nas estatísticas de saúde do trabalhador brasileiro, vamos aqui, correlacionar os efeitos desses transtornos na vida funcional das pessoas, ainda que em níveis não severos, mas que ainda assim, impactam negativamente na produtividade e resultados organizacionais. Embora esses dois transtornos possam nos trazer a ideia de sintomas antagônicos, onde se imagina que um acelera a pessoa e outro provoca uma letargia, é perfeitamente possível que eles apareçam juntos, ou seja, uma pessoa pode estar vivenciando um quadro depressivo e apresentar, simultaneamente, sintomas de ansiedade ou vice-versa. O diagnóstico deve ser dado apenas por um profissional qualificado nessa especificidade da saúde; psicólogo ou psiquiatra. Mas, a popularização das informações sobre saúde mental melhora a perspectiva de acesso a intervenções, melhores chances de adesão a tratamentos, como também, enfrentamento mais assertivo não apenas por parte do paciente, mas das pessoas que estão ligadas a ele, incluindo, além de familiares, as empresas e equipe de trabalho.

Esses transtornos afetam a forma como a pessoa percebe a si mesma, bem como a maneira como percebe as circunstâncias ao seu redor. Essa alteração na percepção, tende a afetar a estabilidade do humor e também a maneira como lida com as demandas de trabalho e relacionamento interpessoal.

No aspecto cognitivo, também pode-se observar uma queda na qualidade de concentração, podendo aumentar a probabilidade de erros nas tarefas laborais, gerando retrabalho, baixa qualidade no trabalho realizado, atraso nos prazos e outros problemas que aumentam a ocorrência de prejuízos financeiros. A ocorrência de acidentes de trabalho também tende a aumentar a probabilidade, sob tais condições. Não obstante, a tomada de decisão também sofre reflexos, aumentando estados de indecisão, insegurança nas atitudes, sensação de incapacidade de enfrentamento, redução do potencial criativo. As consequências desses sintomas acabam reforçando ainda mais as crenças limitantes em que a pessoa se sente desamparada, porque não consegue manter a mesma performance de outrora e, na maioria das vezes, vive essa situação de forma solitária, seja por não ter informação, seja pela vergonha de se sentir exposta, sem apoio das pessoas ao seu redor, especialmente no contexto do trabalho.

O custo para uma empresa ter um colaborador sem saúde mental pode variar de acordo com fatores que envolvem a gravidade do problema, as características do trabalho que o colaborador realiza. Mas, numa relação inversa, a OMS estima que a cada 1 dólar investido em saúde mental, as empresas têm um retorno quatro vezes maior que o montante aplicado em inciativas de promoção do bem estar da equipe, revertidos em produtividade e capacidade de trabalho.

 

COMO AS EMPRESAS PODEM PROMOVER SAÚDE MENTAL PARA SEUS COLABORADORES

Tanto empresas públicas, quanto privadas podem desenvolver ações que promovam informações sobre o tema, acesso a serviços de proteção à saúde mental, programas de qualidade de vida no trabalho e incentivo para que os colaboradores tenham um estilo de vida saudável.

Contudo, pensar apenas nas intervenções diretas com o trabalhador podem não ser suficientes. É preciso, de forma muito sistemática e comprometida, avaliar se o contexto e a cultura organizacional também contribuem para a promoção à saúde. Nesse âmbito, pesquisa de clima organizacional, seguido de ações concretas e eficazes aos problemas identificados por meio dessa ferramenta, podem ser uma excelente intervenção. Além disso, destacamos também questões que vão desde o cuidado com a jornada/demanda de trabalho e por último, mas não menos importante, treinamentos com líderes, já que esses precisam ter um modelo de gestão alinhadas e reforçadoras de uma cultura de saúde mental.

 

AJUSTE O RADAR

Considerando os impactos da saúde mental tanto no aspecto individual, quanto no contexto corporativo, ajustar o radar e participar da promoção do bem estar geral, passa a ser uma condição de extrema necessidade e prioridade.

Além disso, as ações elencadas como possibilidades de intervenção em instituições públicas e privadas possibilitam atitudes preventivas, o que melhora o prognóstico de recuperação em caso de alguma disfuncionalidade percebida. Já a negligência ou descaso, pode custar caro e ter um processo de readaptação doloroso e caro.

Saúde mental é direito de todos. Agora, precisamos implantar essa cultura e as empresas, notoriamente, exercem um papel primordial nesse processo.

 

Simone Rezende Barbosa Pereira

Psicóloga - CRP 18 03334